segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Operação Miqueias: Falhas abrem portas para desvios



Operação Miqueias
Falhas abrem portas para desvios
Falta de fiscalização e influência política nos institutos de previdência facilitam caminhos para a corrupção

Fabiana Pulcineli e Thaís Romão
06 de outubro de 2013 (domingo)

Junte muito dinheiro disponível a uma boa dose de influência política. Acrescente fiscalização falha e ineficiente. São os ingredientes que compõem a receita para fraudes e prejuízos a institutos de previdência de servidores públicos em todo o País.

Os números são expressivos: R$ 156 bilhões de patrimônio do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) em 2011 (veja quadro). As aplicações no mercado financeiro naquele ano somaram R$ 54 bilhões. Em Goiás, apenas nos meses de março e abril deste ano, os investimentos em aplicações somaram R$ 1,3 bilhão. De outro lado, mais de 6,5 milhões de contribuintes sob o risco de ver seu dinheiro escorrendo pelos ralos da corrupção.

Alvo da Operação Miqueias, deflagrada em 19 de setembro, os esquemas que envolvem aplicações dos recursos dos fundos de previdência expõem as brechas do sistema. As facilidades para os corruptos são reforçadas pela delegada da Polícia Federal que coordenou a operação, Andréa Pinho Albuquerque, ao admitir, diante dos indícios da existência de outras quadrilhas com atuação no mesmo ramo: “Nós pegamos apenas a ponta do iceberg”.

A operação apontou suspeita de desvios de R$ 50 milhões. Em Goiás, de acordo com o inquérito, a quadrilha articulou aplicações de fundos em pelo menos 17 cidades. Para isso, se aproximavam de lideranças políticas, deixando clara a ingerência nos institutos.

Os RPPS são autarquias e, em tese, devem ter total independência política e financeira para garantir o seu bom funcionamento. No entanto, as nomeações para os institutos entram quase que sempre na distribuição das cotas partidárias na gestão dos Estados e municípios.

As leis complementares que tratam do funcionamento dos fundos não estabelecem critérios para as indicações. Em alguns casos, há uma cota para servidores em cargos de direção. Para o conselho, a quem cabe aprovar as decisões do presidente, também é garantida cadeira para um representante do funcionalismo. Os principais cargos, porém, são de livre nomeação dos prefeitos ou governadores.

A legislação determina que os gestores dos institutos façam um curso sobre previdência. Mas a reportagem apurou que muitos deles atropelam a exigência. No caso do Estado, o gestor tem de ter curso superior. São apenas essas as exigências.

Como as decisões dos institutos cabem aos gestores e aos conselhos, a maioria dos prefeitos de municípios goianos citados na operação argumenta que não tinha conhecimento das aplicações suspeitas.

Questionado sobre as operações realizadas no apagar das luzes da gestão do ex-prefeito Velomar Rios (PMDB) em Catalão, apontadas como irregulares pela PF, o peemedebista disse que o prefeito só nomeia, mas não acompanha as atividades do instituto. “Não tenho detalhes destas últimas aplicações do fundo de previdência de Catalão. A verdade é que, embora o prefeito nomeie o gestor da previdência municipal, ele conta com um conselho com múltipla representatividade que fiscaliza e aprova as aplicações do fundo, que tem de obedecer regras fixadas pelo Ministério da Previdência. Então o prefeito não participa diretamente destas decisões. Mas quero crer não houve nada de errado. Tanto que nunca fomos informados de qualquer problema. E fico surpreso de haver no mercado fundos que podem lesar os servidores sem que o sistema financeiro tome providências para impedir a atuação deles”, disse.

A prefeitura de Aparecida de Goiânia, também citada na operação, informou em nota que o gestor do Aparecida Prev suspeito de irregularidades, Sebastião Ramoncito, foi demitido porque não cumpriu a determinação do prefeito de investir apenas em fundos de investimentos administrados pelo Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.

“Em tese, a legislação determina autonomia da Previdência. Mas na prática há influência. Então os prefeitos usam isso a seu favor. Quando questionados, para se afastarem do problema, afirmam que não têm nada com isso. Mas na prática é diferente. Se o gestor é aliado político do prefeito, ele atende às determinações do prefeito também”, diz um especialista em Gestão Pública, que presta consultoria aos municípios e prefere não se identificar.

Fiscalização

Já que prefeitos passam a bola para gestores e conselheiros, caberia aos órgãos fiscalizadores o monitoramento e o impedimento de operações temerosas nos institutos. Mas a falta de equipe e a complexidade dos esquemas dificultam a fiscalização.

Dois órgãos são os responsáveis diretos pelo acompanhamento dos sistemas de previdência: o Ministério da Previdência Social (MPS), que é quem emite o Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) e o Tribunal de Contas dos Municípios ou do Estado.

No geral, por falta de equipe, os tribunais acompanham apenas quem deixou de entregar relatórios anuais. No ano passado, o TCM goiano fez auditoria nas contas dos municípios, mas ainda não houve pareceres conclusivos. Relatório preliminar identificou indícios de superfaturamento na compra de títulos públicos e de gastos e destinação irregulares de recursos em valores que totalizam prejuízo de pelo menos R$ 6 milhões.

O MPS recebe relatórios bimestrais e realiza auditorias indiretas ou diretas (veja quadro). A fiscalização detalhada, que avalia o destino das aplicações, alcança menos de um quarto do total de RPPS do País – apenas 500 municípios por ano.

A Operação Miqueias surgiu a partir de irregularidades apontadas pelo MPS, com inquérito instaurado na Polícia Federal no dia 31 de janeiro deste ano. O relatório do ministério apontava aplicações em fundos de investimento de crédito privado não rentáveis, que teriam o objetivo de desviar recursos.